Review Sanguiolento: Blade – A Lâmina do Imortal (Live Action)

ATENÇÃO: POST GIGANTE COALHADO DE SPOILERS!

Bem, jovos e jovas, como todo fã de Blade- A Lâmina do Imortal bem sabia, foi lançado uma versão live action do mangá de Hiroaki Samura pelas mãos do famoso diretor Takashi Miike. No entanto, esse não é o primeiro filme adaptando um mangá/anime para as telonas dirigido por Miike. Ele já dirigiu as adaptaçõe de Ichi: The Killer, Crows Zero, Ace Attorney (que na verdade é uma série de jogos) e,mais recentemente,Terra Formars. Confesso que destes só assisti Ichi: The Killer e Terra Formars. O primeiro é perturbador demais e assisti sem estar muito preparado pra isso na época, mas tinha a pegada do diretor, que adora rechear seus filmes com muita violência gráfica. O segundo eu assisti sem conhecer direito o mangá ou o anime, mas ficou claro que era um Takashi Miike trabalhando na rédea, numa coisa mais “soft”, só pra pagar as contas. No entanto, o filme é bacaninha, tem fidelidade visual com o original, mas fica apenas nisso. Uma obra esquecível. Aí veio o anuncio de Blade- A Lâmina do Imortal e a chance de termos uma das melhores adaptações de um mangá para live action, com direito a muito sangue e violência. E o filme tem! Mas acaba tropeçando nele mesmo…

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Antes de mais nada, preciso dizer que Blade- A Lâmina do Imortal é um baita de um mangazão da porra! Se você não leu, VÁ ATRÁS! “Ain, mas Hellbolha, eu assisti o anime TO-DI-NHO”, você pode dizer…e eu respondo: ESQUEÇA AQUELA PORCARIA DE ANIME! É UMA ADAPTAÇÃO PORCA, MAL ANIMADA E NÃO FAZ JUS A BELEZA CONTIDA EM CADA PÁGINA DO MANGÁ! Isso sem falar que está incompleta, já que o mangá ainda não havia terminado na época e o anime contou apenas com 12 episódios, o que não cobre nem metade da metade da obra original.

Em Blade, Hiroaki Samura distorce toda a “honradez” do bushido , literalmente “o caminho do guerreiro”, o código de conduta dos samurais, e levanta questionamentos muito válidos sobre o real valor deste código. Seus samurais são mais fantasiosos que os verdadeiros, mais estilizados e meio “punks” até, e seus personagens nunca andam em caminhos maniqueístas, nada é preto no branco e você pode passar do ódio ao amor por alguns deles de um capitulo para o outro.

Isso sem falar na arte do Samura, que é PHODA!

Isso sem falar na arte do Samura, que é PHODA!

A história básica é a seguinte: A Itto-Ryu é uma “gangue” que anda por todo o Japão derrubando academias afim de provar que seu estilo é superior, o qual consiste em “vencer é o verdadeiro caminha da espada”. Ou seja, não existe um estilo especifico na Itto-Ryu, apenas a filosofia do mais forte. Certo dia Kagehisa, líder da Itto-Ryu, vai até o dojo do estilo Mutenichi-Ryu afim de eliminar o mestre daquele local, chamado Asano, o qual tem uma ligação com o avó de Kagehisa. Após matá-lo na frente da mulher e da filha, Kagehisa se vai e ordena que seus homens façam o que bem entenderem com ambas, mas que não “encostem” na menina, pois violar uma criança era inadmissível para ele. Assim sendo, a jovem Rin Asano sobrevive e agora busca vingança contra o assassino de seu pai além de tentar descobrir o paradeiro de sua mãe, a qual desapareceu misteriosamente naquela noite. Para tal, é instruída por uma misteriosa monja chamada Yaobikuni, que diz que existe um homem que não pode ser morto e que ele poderá servir de guarda-costas para Rin. A jovem procura o tal sujeito e descobre que seu nome é Manji, um sujeito casca grossa, sem um olho e coberto de cicatrizes que usa um número enorme de espadas diferentes que mantém escondidas em suas roupas. O que Rin não sabe é que Manji é mesmo um imortal graças aos kessenchu, vermes que vivem dentro de seu corpo e podem curar qualquer ferimento, inclusive recuperar membros mutilados. Manji aceita a missão por que precisa matar 100 homens maus para recuperar sua mortalidade.

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Bem, essa é a história básica. A partir daí personagens maravilhosos e lutas desesperadoras e sensacionais vão acontecendo (comprovando que o Manji é um merda que, caso não fosse imortal, teria morrido logo no primeiro capitulo). Essa foi a parte pra introduzir todo o universo de Blade- A Lâmina do Imortal pra quem não conhecia a obra. A partir daqui vou falar do filme e assumirei que grande parte das pessoas que estão lendo isso a conhecem, por isso citarei passagens do mangá para ilustrar as diferenças.

O Filme

O filme da Takashi Miike começa adaptando muitos elementos do começo do mangá. No mangá é mostrado Manji , já com o kessenchu no corpo, como um andarilho que vive com sua irmã, Machi, a qual ficou louca após ver Manji matar o seu marido. Acontece que Manji foi enganado pelo senhor a quem servia e acabou matando um inocente. Indignado, Manjin matou o seu senhor e, por isso, foi caçado pelos demais homens que não sabiam da tramoia maligna do falecido. Um desses homens era o marido de Machi, e foi ele quem acabou cegando Manjin de um olho e deixando as cicatrizes em sua face.

Manji mata o marido de Machi.

Manji mata o marido de Machi.

Já no longa, a história começa exatamente mostrando o Manji ainda em fuga, mas já tendo matado o marido de Machi e andando com ela já louquinha, inclusive escondendo-a para não se ferir durante suas lutas. É quando uma gangue de caçadores de recompensas aparece e quer a cabeça de Manji. A cena é muito parecida com a do mangá, com eles pegando Machi, fazendo Manji se desarmar para poder soltá-la e matando-a logo em seguida. A diferença é que no mangá Manjin já está na condição de imortal e no filme ainda não, aliás ele ainda tem os dois olhos e nenhuma cicatriz na face, e é durante a luta contra essa gangue que Manji fica cego de um olho e ganha as supracitadas cicatrizes. E é quando está para morrer após essa batalha que a Yaobikuni lhe dá o kessenchu. Mas não é citado a condição de matar 100 homens maus pra voltar a se tornar mortal. Depois disto temos um salto cronológico de 50 anos e, só então, conhecemos Rin e vemos a morte de seu pai e o inicio de sua história.

O kenssechu agindo.

O kenssechu agindo.

Esse começo serve pra ilustrar bem como o filme buscou adaptar fatos de modo a tornar a narrativa mais compacta dentro de um filme de 2:20hr e, ainda assim, manter a fidelidade a obra original. E o filme consegue ser extremamente fiel em muitos aspectos. O visual é, sem sombra de dúvidas, o que mais se sobressai. Os personagens se parecem com suas contrapartes de papel, os figurinos são perfeitos e as armas do Manjis são EXATAMENTE iguais as do mangá. O grande problema mesmo está no fato de o filme ter 2:20hr…e parecer EXTRAMENTE CORRIDO no inicio e demasiadamente enfadonho no final.

Fidelidade visual não faltou.

Fidelidade visual não faltou.

Algumas histórias foram cortadas pelo fato de não apresentarem fatos realmente relevantes para a trama, como a história do pintor amigo do pai da Rin que buscava o vermelho perfeito. Outras, que tinham até um certo peso na trama, mas que tomariam muito tempo também foram limadas, como a história do confeccionador de máscaras que era membro da Itto-Ryu. Já as que foram mantidas foram transformadas em versões MUITO RESUMIDAS para dar agilidade ao roteiro e a oportunidade de o maior número possível de membros da Itto-Ryu darem as caras. Isso até funciona no filme e rende momentos idênticos ao mangá nas partes que tangem as lutas, mas…quando se entra nas motivações dos personagens, a velocidade que o filme exige acaba deixando tudo muito raso e jogado na cara do expectador. Vou dar três exemplos aqui:

1- Kuroi Sabato, o primeiro grande adversário de Manjin, tem o mórbido hábito de costurar cabeças de mulheres por quem se apaixona nos ombros, e uma das cabeças em seu ombro e da mãe da Rin. Mas esse hábito não é explicado no filme e o expectador que não conhece esse fato pode acabar boiando.

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2- Taito Magatsu é um de meus personagens favoritos na série. Ele é um ex-camponês que se tornou espadachim após ver a irmã ser morta na sua frente por capricho de um aristocrata. Isso é contando no filme. O que não é contado é que ele tem um caso com uma prostituta, o que mostra seu lado mais humano e “gente boa”, e esse relacionamento é o estopim para um dos melhores duelos do mangá, sem falar que acaba formando uma dupla temporária com o Manji. No filme, não só este relacionamento foi ignorado como a importância dos acontecimentos referentes a ele foram transferidos para o Manji com um resultado pra lá de broxante.

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3- Makie, a prostituta que é apaixonada por Kagehisa, tem uma história cruel em seu passado que explica a relação dela com o chefe da Itto-Ryu. No entanto, o filme ignora isso e simplesmente a joga na trama como uma mulher apaixonada que faz tudo que seu amado manda, deixando a personagem um tanto quanto rasa.

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Agora vou pras principais e mais drásticas mudanças na história. A primeira dela tem a ver com a tal relação do Taito Magatsu e a prostituta que sitei no item 2 acima. Acontece que em determinado ponto da trama, um grupo de ex-criminosos é recrutado pelo governo japonês pra servir como espiões e derrubar a Itto-Ryu. Esse grupo se chama Mugai-Ryu e conta com 5 membros, sendo os 3 mais conhecidos a loirinha Hiakurin, o careca e caladão Giichi e o sádico Shira. E é justamente esse Shira, quando está em busca de informações que o levem ao Manji (se não me engano), que acaba por estuprar e matar a prostituta por quem Taito era apaixonado. Isso, claro, acaba acendendo uma sede de vingança incontrolável em Taito. O que ele não sabia é que Shira havia tido sua mão amputada por Manji e, mostrando o quão sádico era, raspou a carne de seu antebraço e transformou seus ossos em armas perfurantes. A dor e o trauma foram tantos que Shira acabou ficando com os cabelos e sobrancelhas brancos e jurou vingança contra Manji. Lembro que achei que a vingança de Taito e sua luta contra Shira viria na edição seguinte do mangá publicado pela Conrad. No entanto, a luta só aconteceria uns 5 ou 6 números depois e, acreditem…a espera valeu a pena! Em uma luta à três no meio da floresta, Taito consegue vencer Shira a duras penas e, por fim, cortar sua outra mão jogando-o de um penhasco. Eu estava LOUCO pra ver isso no filme. E NADA DISSO ACONTECE!

Taito e Shira tem um combate sangrento e extremamente tenso no mangá.

Taito e Shira tem um combate sangrento e extremamente tenso no mangá.

Ao invés disso, Taito aparece apenas no começo do filme e depois some, deixando a rivalidade entre Shira e Manji como a única existente.Isso resulta na volta de Shira em um momento onde não cabia e num confronto final tão murcho, mas tão murcho…que é resolvido em uma “briga de abraços”. Pra um filme que vinha adaptando tão bem os combates do mangá, essa foi uma bola fora violenta…

Sem falar que esse lance de sequestrar a Rin ficou parecendo chupinhação do Kurogasa do Rurouni Kenshin

Sem falar que esse lance de sequestrar a Rin ficou parecendo chupinhação do Kurogasa do Rurouni Kenshin

Outra adaptação do filme que gera um incomodo GIGANTESCO para os fãs do mangá, é o seu final. Como eu disse antes, uma das grandes sacadas do mangá é mostrar que nem todo “vilão” é realmente mau, sobretudo Kagehisa. A cena em que Rin o encontra treinando sozinho na floresta e o desafia para um duelo de morte, mas acaba por ouvir a história do avó de Kageshisa e sua relação com o bisavô de Rin, acaba abalando as convicções de vingança da garota. Essa cena está no filme de forma extremamente fiel. Mais adiante, no mangá, Kagehisa acaba sendo traído pelo governo que o oferecera um falso cargo no governo como mestre de esgrima dos soldados, e acaba fazendo uma viagem solitária e doente enquanto é emboscado por alguns dos soldados do governo ao longo do caminho. Em meio a tudo isso ele encontra Rin, que o acompanha durante toda essa viagem, e as duvidas da menina apenas aumentam quanto a sua vingança. E é  nessa segunda parte onde o filme mais se afasta tanto do que é mostrado no mangá quanto do seu conceito sem maniqueísmo.

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Esta cena dá lugar ao duelo final do filme. Sim, há um duelo final e definitivo aqui, mostrando que os planos para Blade não eram os mesmos que para a trilogia Ruroni Kenshin/Samurai X por exemplo. O filme praticamente grita na sua cara “OLHA, ME DESCULPE, MAS A GENTE NÃO TÁ MUITO AFIM DE FAZER OUTRO DESSES NÃO. A GENTE ATÉ VAI DEIXAR UM GANCHINHO NO FINAL, MAS SE TIVER VAI SER MUUUUITO DIFERENTE DO MANGÁ, TÁ CERTO!?” e nos “brinda” com o ato final mais caótico já visto em um filme. São 5 duelos correndo em paralelo: Kagehisa vs Exército do Governo, Manjin vs Exército do Governo, Manjin vs Shira (em um duelo mal e porcamente encaixado e corrido pra caramba, com um final ridículo, como já citei), Kagehisa vs o traidor da Mutenichi-Ryu e, por fim, Manji vs Kagehisa, o duelo que fará todo fã ficar franzindo o cenho e murmurar vários “hã?” durante todo ele. Sim, por que nessa luta o Kagehisa joga fora todas as  motivações que o fazem um cara por quem você simpatiza e o transforma apenas em um vilãozinho comum que fica proferindo impropérios do tipo “Me mate agora ou eu vou te matar depois”. Os roteiristas perderam a mão feio aqui…

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 “Ah, mas Hellbolha, o filme é uma ADAPTAÇÃO! Lógico que não precisa ser igual ao mangá! Se quiser ver algo igual ao mangá, vá LER O MANGÁ!” os mais pentelhos e chatos podem dizer (como sempre dizem, como uma das defesas mais babacas já criadas ) ou “Ah, mas o filme não precisa funcionar apenas como adaptação, ele precisa funcionar como filme, como obra isolada” e eu já concordo mais com isso. E ele até funciona…em parte. Takashi Miike é um diretor conhecido por usar e abusar de violência gráfica em seus filmes mas, aqui, onde ele poderia realmente ir aos extremos, já que o Manji vive sendo mais fatiado que presunto de mercadinho, ele parece pegar mais leve. Entenda, o filme é violento SIM, mas o Takashi Miike se concentra mais em desmembrar o Manji do que seus inimigos, como ele  faz no mangá. Cenas onde as pessoas tem pernas, braços e cabeças decepadas são substituídas pela tradicional ” passada de espada no bucho seguido de queda”. Talvez para economizar com efeitos, já que os filmes japoneses não tem um orçamento inflado como as produções norte-americanas. Mas o que realmente incomoda na direção de Miike em Blade é o seu PÉSSIMO hábito de manter o plano fechado nos duelos, uma coisa um tanto incomum no cinema oriental, onde os combates são sempre mostrados em grandes planos abertos afim de evidenciar toda a beleza das coreografias e a pericia dos atores e dublês. Tomando como exemplo novamente Rurouni Kenshin/Samurai X, lá víamos lutas velozes, bonitas, com a câmera sempre correndo atrás do Kenshin nas batalhas com mais de um oponente e sempre acompanhado Kenshin e seu rival quando a luta era no mano a mano. Em Blade, a lutas são mais “realistas” e “lentas”, o que não é um problema DE JEITO NENHUM, mas o plano fechado não ajuda e esse “realismo”  vai pro saco no final do filme, quando Manji e Kagehisa tem que enfrentar um verdadeiro exército. Sim, no começo do filme o Manji enfrenta uma gangue, mas aqui o número de oponentes TRIPLICA e o Manji sofre menos danos (vale citar que o kessenchu está falhando a essa altura do filme graças a acontecimentos anteriores), o que deixa tudo fantasioso mais do que devia.

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Ah, e o problema final…o ritmo! Se o inicio do filme, mostrando o Manji enfrentando vários membros da Itto-Ryu seguidamente,é um tanto quanto corrido, o final, apesar de ter uma enorme batalha campal, acaba se estendendo demais e deixando o filme chato, apesar de toda a ação em tela. E apesar de suas 2:20hr, o filme não consegue dar atenção a tantos personagens, por mais que se esforce. Assim sendo, a Mugai-Ryu, um dos grupos com alguns dos personagens mais cativantes do mangá (tanto que tem arcos inteiros com eles como foco da trama), é jogada em tela como meros coadjuvantes que aprecem e somem servindo apenas de fan-service. Apenas um deles, um dos menos carismáticos, recebe destaque durante a trama e tem um duelo com Kagehisa na reta final do longa.

Hiakurin e Giichi, dois dos personagens mais legais do mangá, aparecem como figuração de luxo aqui.

Hiakurin e Giichi, dois dos personagens mais legais do mangá, aparecem como figuração de luxo aqui.

Pra acabar esse post, que está QUILOMÉTRICO (e talvez BEM CONFUSO pra muita gente), Blade- A Lâmina do Imortal é um filme visualmente fiel ao extremo, que segue a trama do mangá com fidelidade até o fim de seu segundo ato, apesar de se tornar apressado por isso, mas que desanda tanto no conceito quanto no ritmo no seu ato final. É uma tragédia grega por conta disso? Não! Tem adaptações MUITO PIORES, como Shingeki no Kyojin ( que eu assisti o primeiro, gostei mas fui alertado pelos fãs que era uma porcaria mal adaptada, aí vi o anime e confirmei isso). O fã do mangá talvez se sinta incomodado  com muitas das mudanças que citei (EU me senti), mas para o expectador “civil”, ele funcionará muito bem como um bom filme de ação. E, quem sabe, desperte a curiosidade de acompanhar o mangá original, este sim, uma obra esplendida e praticamente irretocável.

Nota: 6,5