Review Lovecraftiano: O Cão de Caça e Outras Histórias.

“Não está morto o que pode eternamente jazer. E após eras estranhas,até a morte pode morrer.”

Pois é, negadinha, após uma frustrante Black Friday da Amazon melar meus planos de adquirir um material que eu realmente queria, acabei optando por pegar um material de interesse MUITO secundário por motivos de não perder a viagem ( e por motivos de estarem pela metade do preço). Um destes materiais foi um mangá que sempre tive curiosidade de ler mas nunca o fiz por se tratar de uma adaptação de 3 histórias de H.P. Lovecraft em apenas 170 páginas, e isso não me parecia bom sinal. Achei que 70 páginas para cada história não seriam o suficiente, dado o tamanho da mitologia que uma história do Lovecraft sempre traz. Em contraponto, quem já leu Lovecraft, sabe que o cara detalha demais muita coisa que não precisava e isso acaba tornando suas histórias beeeem arrastadas no inicio (li as páginas iniciais de “Nas Montanhas da Loucura” e desisti após perceber que tinha passado umas 4 páginas lendo sobre uma broca de perfuração de solo…), e essa limitação de páginas poderia ser a acelerada que suas histórias precisavam pra ganhar um bom ritmo. Dúvida cruel. Mas, como eu disse, estava pela metade do preço…que mal faria…?

E foi assim que adquiri H.P. Lovecraft: O Cão de Caça e Outras Histórias, mangá com adaptação e desenhos de Gou Tanabe. Mas será que ele conseguiu fazer um bom trabalho? A resposta é um efusivo SIM! Mesmo não sendo um leitor de H.P. Lovecraft (um PECADO pra um fã de horror, como eu), conheço as influências do cara na literatura, no cinema, nos quadrinhos, na animação e nos vídeo-games, e uma coisa é inegável quanto ao propósito de suas obras: eles tem a função primordial de assustar e perturbar! E o mangá de Gou Tanabe atinge esse objetivo!

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O mangá, como anteriormente dito, se divide em 3 histórias. A primeira é “O Templo”, que conta a história de um submarino alemão durante a Segunda Guerra Mundial que acaba ficando a deriva após afundar um navio Britânico. No entanto, antes das desventuras começarem a acontecer ao submarino e a sua tripulação, um dos corpos dos soldados britânicos havia ficado preso do tombadilho do Submarino. Ao retirarem o corpo, que estava firmemente agarrado ao submarino, um tenente chamado Klenze percebe que há uma pequena escultura no bolso do falecido soldado e a pega para si. A escultura era a cabeça de uma estátua que lembrava um imperador romano, com direito a folhas de louro ao redor. E é a partir deste pequeno ato que as coisas começam a piorar para toda a tripulação, e estranhos fenômenos passarão a acontecer, colocando a sanidade de todos a prova.

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A segunda história dá título ao mangá. Em “O Cão de Caça”, uma dupla de jovens ingleses tem como hobby, profanar túmulos afim de roubar preciosidades. Fascinados pelo oculto, tendo, inclusive, uma cópia em inglês do Necronomicon, ambos ficam sabendo de um misterioso túmulo em um cemitério abandonado na Holanda onde jazia um homem que fora morto há 500 anos por uma misteriosa fera. No entanto, também se dizia que ele havia sido enterrado com um misterioso artefato que lhe concedeu poderes mágicos em vida. Ambos não titubeiam em ir até lá e conferir a veracidade da lenda. Ao abrirem o túmulo não só descobrem que o corpo do sujeito estava mumificado, o que permitia ver claramente as marcas das enormes garras da tal fera, como descobrem que, de fato, havia um objeto misterioso enterrado com ele, uma especie de grifo de jade. Fascinados, eles levam a tal escultura até Londres, para adornar sua profana coleção. O que ambos não sabem é que tal objeto não era um simples adorno…

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A terceira e ultima história traz um tom meio “Indiana Jonesco” a trilogia. Nela, acompanhamos um aventureiro (MUITO parecido com o Dr. Henry Walton Jones Jr., aliás) que procura uma misteriosa cidade oculta que é estranhamente evitada pelas tribos da Arábia. Mais do que isso, foi com esta cidade que Abdul Alhazred, suposto escritor do Necronomicon, sonhou antes de proferir o seu famoso dítico, o verso em duas frases que abriu este post. O aventureiro acaba por encontrar uma passagem ao pé de uma montanha que o leva a uma construção que se assemelha a um velho templo. No entanto, seu teto é inexplicavelmente baixo, fazendo com que ele rasteje por todo o trajeto. O que ele encontra lá dentro é algo que mudará para sempre sua vida…29293p5

Sem rodeios…Gou Tanabe é genial! O sujeito não apenas sabe narrar visualmente as tramas de Lovecraft de modo a te prender a cada página, como tem um traço que casa perfeitamente com a atmosfera sombria de cada conto. Seu traço guarda características do mangá mas está muito mais inclinado ao estio ocidental de desenho, tal qual na maioria dos gekigas (mangás de temática adulta), o que resulta em uma arte escura e “poluída” que remete ao bons tempos da Vertigo. Aliás, vale citar que seu traço muda sutilmente a cada história, o que traz uma identidade única a cada capítulo. Sem falar que o sujeito sabe fazer cenários que te fazem ficar tão perplexos quanto os personagens na primeira vez que os vemos.

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Dos três contos, devo dizer que “O Templo” se tornou meu favorito instantaneamente, não apenas pelo seu clima claustrofóbico como por se passar nas profundezas do oceano, local que me fascina e assusta na mesma medida. E Gou Tanabe parece captar esses dois sentimentos com perfeição em sua representação visual das profundezas abissais. Fiquei admirando as 20 páginas finais deste conto por um tempo muito maior que as demais.

E se tem outra coisa que Gou Tanabe conseguiu fazer com este mangá foi despertar meu interesse em tentar ler Lovecraft de novo e com paciência.  Vou atrás do material do escritor o mais rápido possível, pois estou genuinamente re-fascinado por toda sua mitologia. E se você sempre ouviu falar muito bem do autor mas nunca teve vontade de ler seus livros por ter ouvido falar que eram lentos ou, simplesmente, por que não tem saco pra livros (sim, isso é mais comum do que se pensa), este mangá é uma ótima pedida! Aliás, bem que a JBC poderia lançar os outros 3 volumes do autor que adaptam outras obras de H.P. Lovecraft, como Nas Montanhas da Loucura, por exemplo. Mas, se já passou tanto tempo e nada, começo a ficar desesperançoso quanto a concretização desta possibilidade.

A quadrilogia Lovcraftiana de Gou Tanabe ao lado de seu art book.

A quadrilogia Lovcraftiana de Gou Tanabe ao lado de seu art book.

Quanto a edição da JBC, não há do que se reclamar. Capa com verniz localizado e com orelhas com informações tanto do mangá quanto do autor original dos contos, o senhor Lovecraft, e miolo em offset. Podemos dizer que esse formato seria “de luxo” se comparados as outras edições mais tradicionais da JBC (excetuando Akira, Ghost in the Shell e os capa duras de CDZ, claro) e, talvez por isso, a edição tenha sido lançada ao valor de R$21,90, um tanto caro pra uma edição de apenas 170 páginas, principalmente pra quem já está acostumado a ler as 290/ 300 páginas dos mangás da Panini com o mesmo acabamento pelo valor de R$17,90 (Berserk, por exemplo) ou  R$18,90 (Lobo Solitário, por exemplo). Isso certamente deve ter afastado muita gente na época de seu lançamento e talvez seja esse o fator responsável pela não chegada das demais adaptações de Gou Tanabe às bancas brazucas.

Por fim, fica a dica. Mangá que me surpreendeu positivamente e que me fez querer rele-lo, coisa que quase nenhum fez ultimamente.

Nota: 9,5