Review Cibernético: Battle Angel Alita Vol.01

Ou “Hyper Future Vision Gunnm”, se preferir.

Anos atrás, mais especificamente em 2003, a JBC lançou o mangá Hyper Future Vision Gunnm. O título já gozava de certa fama no Brasil graças a alguma revistas informativas, inclusive a Opera Graphica se aproveitou de tal fama para, em 2002, lançar o primeiro volume do mangá em “terras brazilis” de uma maneira meio…”alternativa”, digamos assim, o que gerou uma baita treta na época.

Capa do mangá da Opera Graphica. Notem que o título é uma mistura do americano com o original japonês.

Contra-capa da mesma edição. Notem também o “saga completa” e, bem pequenininho abaixo do Gunm (faltando um “N”) o termo “Graphic Novel”. Creio que nomearam assim porque o mangá era um tanko inteiro, coisa rara na época.

Mas, voltando a edição da JBC, acontece que um amigo meu tinha todas as edições e as venerava como se fossem a última bolacha do pacote em termos de mangá de ficção cientifica jamais produzidos pelos nossos irmãozinhos da terra do sol nascente. Assim sendo, ante a insistência dele para que eu lesse a obra e visse que ele estava completa e inegavelmente certo, peguei as 18 edições da JBC emprestadas e as li. Minhas impressões à época foram duas. A primeira era que, claramente, o meu amigo tinha um amor claramente exagerado pela obra que nem sequer beirava a grandiosidade que ele pregava. A segunda é que o Yukito Kishiro não sabia que história contar. Mas falaremos disso mais adiante.

Sim, amantes de desenhos de lombada! Um mangá da JBC já havia lançado essa moda em 2003! As 18 edições juntas formavam essa imagem da capa da primeira edição!

Com o filme, que era planejado por James Cameron há ANOS, sendo anunciado para 2019, a JBC resolveu que era hora de trazer Gunnm de volta. Só que dessa vez não seriam em 18 edições meio tanko ou 9 edições de tanko inteiro. Eles resolveram adotar o mesmo formato das novas edições de Blade: A Lâmina do Imortal e Eden, ou seja, dois tanko juntos em uma única edição. Confesso que minha animação pela novidade havia sido ZERO, já que, como dito anteriormente, eu não achei o mangá grandes coisas quando o li pela primeira vez. Foi quando, certo dia, vi uma promoção em um site onde as duas edições, que originalmente custam R$39,90, estavam saindo por R$18,00. Aí pensei “Tá…por que não? As edições estão bonitas e é página pra dedéu pelo preço de um Berserk, que tem metade da quantidade de páginas”. E assim adquiri as duas primeiras edições do mangá que agora, graças ao lançamento do filme, mudou o título para Battle Angel Alita afim de se adequar ao marketing do vindouro longa.

Antes de mais nada, uma sinopse básica da história. Estamos no futuro, mais especificamente na Cidade da Sucata, uma cidade feia, suja e decadente onde pessoas e ciborgues tentam viver da melhor maneira que podem em meio a pobreza, insegurança e violência. Acima da Cidade da Sucata flutua a cidade de Zalem, uma megalópole onde apenas os ricos e poderosos podem viver. Praticamente tudo que é consumido na Cidade da Sucata são as sobras de Zalem.

É nesse cenário que conhecemos Ido, um humano que usa suas habilidades médicas para ajudar ciborgues. Para conseguir as peças necessárias para o tratamento de alguns deles, Ido busca conseguir o que pode no ferro velho da Cidade da Sucata. É numa dessas buscas que ele encontra um tronco de uma ciborgue feminina, o qual ele leva pra casa e acaba por descobrir que, apesar de ter uns 300 anos, o cérebro dentro daquela carcaça ainda está perfeitamente preservado. Ele consegue traze-lo de volta a vida e descobre que a garota não tem memória de quem seja. Assim sendo, Ido lhe dá o nome de Alita (Gally, no original japonês) e a cria como se fosse sua filha. O que nem Ido e nem Alita sabem, é que a garota esconde um passado sombrio e que tem habilidades de combate que vão surpreender ambos.

Bem, agora vamos falar do volume 1 de Battle Angel Alita da JBC. Confesso que as impressões que eu tive da primeira vez que li o mangá lá por 2004/2005 não mudaram! Não, eu não acho o mangá um lixo completo e absoluto! Eu até o acho divertido, mas  MUITO LONGE de ser “uma das obras primas dos mangás” ou “indispensável para fãs de mangá e ficção cientifica em geral” como muita gente aponta por aí.

O primeiro capítulo do mangá é, assim como em todo mangá, praticamente uma história fechada pra introduzir os personagens e os colocar em uma situação onde precisam apresentar suas habilidades. No entanto, em BAA (Battle Angel Alita, sua anta), a história soa como quando você está aprendendo a andar de moto ou de carro e solta o freio de vez e pisa muito fundo no acelerador, dando aquele disparada que assusta. No caso, o primeiro capítulo não assusta em nada, só decepciona, pois joga elementos na trama que se resolvem rápido demais e poderiam muito bem render um ótimo plot por mais uns 4 ou 5 capítulos.  Para ser mais direto no que eu quero dizer, vou dar alguns spoilers desse primeiro capítulo, então estejam avisados.

ATENÇÃO, SPOILERS A FRENTE!

Acontece que existe um assassino em série matando ciborgues mulheres e roubando peças delas. Alita ainda não tem um corpo porque Ido não conseguiu as peças necessárias mas, misteriosamente, tais peças começam a aparecer depois que Ido começa a dar misteriosas saídas noturnas. O mangá tenta nos jogar a ideia de que Ido é o tal assassino quando os braços de uma das vitimas do tal serial killer acabam sendo presenteados a Alita por Ido.

Confesso que, da primeira vez que li, fiquei fascinado com a ideia de que  o “mocinho” da história não fosse tão mocinho assim e escondesse um lado negro. Mais adiante, Alita começa a desconfiar de tal fato e vai investigar, praticamente dando como certo que seu “pai” é um assassino que mata mulheres para lhe prover peças. No final, acabamos descobrindo que Ido nada mais é que um caçador de recompensar e que estava caçando justamente a serial Killer responsável por tais mortes, uma mutante desfigurada que enlouqueceu e matava toda e qualquer mulher/ciborgue bonita que encontrasse. Sim, tudo isso é resolvido em menos de 30 páginas e acaba jogando essa dualidade do Ido, que renderia um ótimo plot, no saco.

FIM DOS SPOILERS!

A partir do volume 2 é que a historia ganha uma trama mais “serializada”. Pra quem não leu os spoilers, Ido é um caçador de recompensas, os quais recebem a alcunha de “Guerreiros Caçadores”. Os Guerreiros Caçadores são a saída para se manter a ordem na Cidade da Sucata já que não existe policia há anos no local, tanto que falam da policia com a mesma estranheza que um adolescente de hoje em dia fala de vídeo-cassete. Acontece que Alita quer se tornar uma Guerreira Caçadora mesmo a contragosto de Ido, e o faz. E é a partir daí que começa o primeiro arco de BAA.

O primeiro desafio de Alita é o assassino comedor de cérebros Makaku. Ele é um ciborgue que vive em constante dor e, por isso, precisa se alimentar de cérebros para absorver endorfina, um analgésico 6 vezes mais forte que a morfina. O arco não tem nada de genial e inovador, é apenas um bom shonen, com muita pancadaria e violência e que serve para introduzir alguns elementos chaves na trama, como o corpo novo de Alita, um antigo corpo cibernético chamado Berserker que é perigoso por poder afetar a mente de um humano comum mas se mostra o único capaz de suportar as misteriosas habilidades de Alita. Aliás, esse arco é o que consta na edição da Opera Graphica e por se fechar nele mesmo, a editora escreveu um cretino “Saga Completa” na capa.

A segunda história é a que não apenas foi adaptada para o OVA produzido em 1993 como também é a base para o filme produzido por James Cameron e dirigido por Robert Rodriguez. Aliás, cabe aqui dizer que assim como o live action de Ghost in the Shell se baseia mais no longa animado de 1995 dirigido por Mamoru Oshii, a versão live action de BAA será mais baseado nesse OVA do que no mangá ( falarei mais do tal OVA e um post a parte). Mas, voltando ao que interessa, no segundo arco temos a introdução do garoto Yugo, um adolescente que sonha em ir pra Zalem e que trabalha duro para conseguir dinheiro para tanto. Alita acaba se afeiçoando ao garoto  e acaba por se apaixonar. O arco levanta pontos interessantes, como o conflito de Alita por estar apaixonada por um garoto 100% humano enquanto que ela tem apenas o cérebro humano, seu corpo é uma máquina e, portanto, incapaz de se relacionar fisicamente com Yugo sem oferecer risco a sua segurança. Em meio a todo esse conflito interno de Alita, ainda descobrimos que Yugo está conseguindo parte de seu dinheiro para ir a Zalem por meios criminosos e que o garoto está sendo enganado por um empresário inescrupuloso chamado Vector. O final do arco é bem barra pesada mas, em muitos momentos, o drama tropeça na pieguice e na já conhecida incapacidade de muitos mangakás de escrever sobre relacionamentos amorosos, sendo que sempre aparecem uns lances meio absurdos, como Alita praticamente coagindo Yugo a confessar seus sentimentos na base da ameaça.

Atenção a parede quebrada atrás do yugo, resultado do “pedido” de resposta da Alita pra sua declaração ao garoto.

Agora vamos as minhas impressões gerais. Ambas os arcos tem problemas no roteiro, com momentos exagerados, desnecessários e alguns diálogos bem bregas, típicos de mangás em geral mas bem mais típicos em mangás dos anos 80/90. No entanto, não chegar a ser ruim em nenhum momento! Mas, é como eu já disse, não é algo que justifique o hype que muita gente tem em cima da obra. Tem outros mangás com temáticas similares que se saem MUITO melhor.

Os desenhos de Yukito Kishiro tem aquele ar oitentista , o que é normal já que o mangá é de 1990. E isso não é demérito, é um baita charme e ainda tem o bônus de ser algo único e não uma coisa pasteurizada como se vê em muitos mangás atuais cujo os traços são estranhamente similares demais. O único ponto realmente negativo está no fato de que Kishiro parece não saber desenhar muito bem o rosto do personagem Vector, que por ser negro ele tentou fazer mais “realista” e resulta que o personagem acaba ficando com a cara torta em muitos momentos e sempre aparecendo meio de ladinho.

Mas se tem uma coisa que o sujeito faz e não se pode reclamar são as cenas de ação! O Panzer Kunst, a arte marcial marciana (sim, não é brincadeira nem trocadilho, Alita usa uma arte marcial criada em Marte), permite que Kishiro solte a imaginação e crie golpes acrobáticos, velozes e dinâmicos que resultam em cenas sensacionais! E ele explora muito isso no terceiro arco do mangá que começa no volume 2 e que muda totalmente os ares da trama.

A leitura dessas páginas na ordem ocidental.

Sobre a edição da JBC, ela está bem bonita mas nada de excepcional. Com 450 páginas, papel lux cream e algumas páginas coloridas, mas sem orelhas nas capas e nem luvas, como a edição de 2003 tinha. A edição não apresentou erros de tradução (que eu me lembre) e fecha exatamente no fim do segundo arco, o que é uma boa pra quem quiser só comprar só o primeiro volume pra testar. O problema é que cada volume parece contar uma história diferente…mas vou me aprofundar mais sobre isso na resenha do volume 2.

Ah, antes que eu me esqueça, um dos pontos negativos de BAA são as notas de rodapé. Não, elas não são excessivas e chatas pra porra como em Ghost in the Shell. Elas são bem poucas até, mas beiram o imbecil em muitos momentos. Eis um exemplo que está no mangá:

Makaku: Estamos sobre uma liga de armazenamento de hidrogênio![1]

[1] Liga de Armazenamento de Hidrogênio: Liga metálica que tem a propriedade de absorver e armazenar hidrogênio.

 

Bem, como não temos a sigla “NT” que indica ser uma nota do tradutor, obviamente essa é uma nota original colocada pelo Kishiro e, convenhamos…é bem idiota dado o nível de informação óbvia! Mas isso é o de menos. Até se repetir pela sexta vez…

Bem, o saldo final desse primeiro volume é positivo mas não extraordinário. Gosto muito mais do arco que se desenvolve no volume 2 e que acaba por ser meu preferido em todo o mangá. Mas isso fica para o próximo post. No mais, é como eu já disse mais de uma vez nesse post: BAA é bacaninha mas não justifica muito o hype e a adoração desenfreada que muita gente tem alçando-a ao nível de “obra prima”. Tem outras obras do mesmo gênero que merecem uma atenção maior. Mas cada um tem o direito de gostar o quanto quiser do que quiser (tem gente que acha que Saint Seiya é uma obra irretocável…) e essa é só minha humilde opinião. No mais:

Nota: 7,0