O Sol É Para Todos

Mas nem todos enxergam isso.images.livrariasaraiva.com.br

A história se passa em meados dos anos 30, no condado de Maycomb, interior do Alabama e lar do advogado de defesa Atticus Finch e seus filhos Jeremy “Jem” Finch e Jean Louise “Scout” Finch. A mulher de Atticus faleceu quando Scout tinha apenas dois anos de idade, e desde então a criação de seus filhos foi auxiliada pela cozinheira/governanta Calpúrnia, uma mulher negra que,assim como Atticus, já havia deixado a juventude para trás, apesar de não aparentar. Jem é quatro anos mais velho que Scout, mais reservado e centrado que sua irmã, que não desperdiça uma oportunidade de exercitar sua curiosidade infantil.

Durante os verões os irmãos tem o garoto Dill como companheiro de aventuras. Imaginativo e uma ano mais novo que Jem (que no início do livro tem algo entre 10-11 anos), o jovem garoto tem como principal alvo de brincadeiras o  recluso Arthur “Boo” Radley. Ninguém sabe ao certo o porquê, mas Boo não sai de casa há anos, pelo menos não em um horário que as pessoas possam vê-lo. Como seria de se esperar em uma cidade pequena onde todos se conhecem, o comportamento de Radley gera todo tipo de boatos, desde fantasias infantis até comentários maldosos de adultos que não tem mais nada para fazer além de cuidar da vida alheia, como no caso da solteirona Stephanie Crawford.

Narrada por Scout, a história começa mostrando as dificuldades típicas de uma criança em início de idade escolar, como a adaptação à escola, regras que não fazem sentido para a mente de uma criança, os diferentes comportamentos de adultos e crianças de diferentes classes sociais e a pressão de estar crescendo e sendo cobrada constantemente que comece a apresentar um comportamento mais digno de seu gênero ou posição social. Porém nada disso é tão difícil quanto desafio que Scout e Jem irão suportar no próximo ano.

Tom Robinson, uma trabalhador braçal negro foi acusado de estuprar uma mulher branca, o que na época já seria motivo para  um enforcamento antes mesmo de um julgamento e oportunidade de defesa. O juiz do condado acaba nomeando Atticus para ser o advogado de defesa de Robinson, o que por si só já seria motivo o bastante para gerar indignação e manifestações da boa gente cristã e branca de Maycomb. O fato é que, para piorar a situação, Atticus não apenas aceita de bom grado o fardo que está prestes a carregar como está preparado para lutar com unhas e dentes e provar a inocência de seu cliente.

O crime de Atticus é enxergar o ser humano igual a todos os outros que existe por baixo do tom de pele de Robinson, e os filhos sempre pagam pelos pecados dos pais, por mais que não saibam a razão de tal coisa ser considerada um pecado. A segregação, o preconceito, o ódio e a hipocrisia são facilmente aceitas, mas a compaixão é um crime grave.

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Harper Lee lançou  O Sol É Para Todos em 1960, o livro fez tanto sucesso que lhe garantiu o Pullitzer de Literatura em 1961 e em 1963 estreava uma adaptação cinematográfica de mesmo nome (o original em inglês é To Kill A Mockinbird), que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, Direção de Arte e ainda garantiu o prêmio de melhor ator à lenda do cinema Gregory Peck pelo papel de Atticus Finch, além de outros prêmios. Esse teria sido o único livro lançado de Lee, se em 2015 a advogada da escritora, que nessa época estava surda, cega e vivendo seus últimos dias em um lar para idosos encontrasse e lançasse Go And Set a Watchman, provavelmente sem a autorização de Lee. Sinceramente, ela não precisava ter lançado mais nada mesmo.

349 páginas lidas em dois dias, sem em nenhum momento se tornarem cansativas, muito pelo contrário. De linguagem simples, direta e cativante, O Sol É Para Todos, é uma das obras mais belas que eu já tive o prazer de ler.  Bela e triste, visto que o tema central da publicação continua perfeitamente atual mesmo depois de cinquenta e sete anos de sua publicação. Mesmo se passando em uma cidade fictícia do sul dos Estados Unidos nos anos trinta, o racismo presente nas páginas do livro é real e está em todos os lugares mesmo num país onde quase todo mundo é fruto de miscigenação como o nosso. Seja em palavras e atitudes declaradas e descaradas ou na “piadinha inocente” que todos fazem, e se não fazem riem.

Mesmo sendo um tema delicado, a abordagem e o ponto de vista através de uma criança não fazem desse um livro denso demais ou  pesado demais, mas também não o torna infantil ou insosso. É na verdade um daqueles casos de precisão cirúrgica, que faz com que a leitura seja recomendada a qualquer pessoa. A edição atual da obra em português ficou a cargo da editora José Olympio e é bem simples, constando apenas coma obra em papel off white de boa qualidade e capa comum com uma arte bonita e simples, bem diferente das edições luxuosas e cheias de extras da Aleph que tenho o costume de resenhar aqui, porém é uma obra tão bonita que vale por si só. O preço de capa é 50 reais, mas pode ser adquirida no momento da publicação por 20 reais a menos que isso nas  melhores livrarias online do ramo. Recomendo a leitura a todos sem exceção de, cor, idade, credo, gênero…

Godoka
20/06/2017