Chico Bento: Arvorada- A nobre arte de emocionar…

O moço não quer que passe
O bem que a vida oferece
Por ninguém o tempo espera
Logo a velhice aparece
E na marcha louca do tempo
Quem não morrer envelhece.

Pra quem ainda não conhece, a iniciativa Graphic MSP nada mais é que uma linha de publicações onde vários autores tem total liberdade de representar os personagens criados por Mauricio de Souza de acordo com o que sua criatividade mandar. Dentro dessa premissa já tivemos obras sensacionais, obras ótimas, obras medianas, obras boas e obras que ficaram bem abaixo do esperado (não usarei o termo “ruim” por que até as mais fracas tem seus méritos). Dentre as 15 edições lançadas até agora, vou me arriscar a dizer que uma das “abaixo do esperado” foi “Chico Bento: Pavor Espaciar”, terceira edição da Graphic MSP que tem roteiro e arte do desginer gráfico Gustavo Duarte.

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O grande problema (pelo menos pra mim) com Pavor Espaciar é que ela vinha de duas publicações anteriores que traziam ótimas releituras dos personagens de Mauricio de Souza, Astronauta: Magnetar e Turma da Mônica: Laços. em “Astronauta: Magnetar” Danilo Beyruth nos apresentou uma obra de ficção instigante e adulta, bem longe do Astronauta bem humorado e de histórias leves dos quadrinhos originais, em “Turma da Mônica: Laços” os irmão Vitor e Lu Cafaggi nos jogaram em uma viagem nostálgica e emocionante pela infância com várias referências a filmes oitentistas que faziam o mesmo. Aí veio “Chico Bento: Pavor Espaciar” e nos trouxe uma pegada de humor, mas acabou resultando em uma história genérica, que poderia ter saído em qualquer edição mensal do personagem, só que com um traço diferente.

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Eu poderia me alongar na análise de “Pavor Espaciar” e falar de seus vários problemas narrativos (cenários que não existem em alguns momentos unidos a falta dos painéis, o que dificulta saber pra onde os personagens estão indo, por exemplo) mas basta saber isso pra fazer uma ponte com a segunda participação do personagem na linha Graphic MSP, com “Chico Bento:Arvorada”, do Orlandeli.

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Uma dos maiores prazeres que as Graphic MSP me proporcionam é não darem pistas do que a história realmente trata. As capas nem sempre fazem alusão ao conteúdo e a divulgação que o Sidney Gusman faz sempre dá poucas pistas, incitando a curiosidade e instigando a sensação de descoberta a cada página virada. Tudo que eu sabia sobre “Chico bento: Arvorada” era que algo acontecia a Vó Dita e já fui esperando algo trágico. Mas Orlandeli nos brinda com uma história não sobre a morte mas, sim, sobre a importância da vida.

ATENÇÃO: A PARTIR DAQUI HAVERÃO ALGUNS SPOILERS! LEIA POR SUA CONTA E RISCO!

O roteiro de Arvorada é bem simples, como uma boa história matuta tem que ser, porém é de uma força inacreditável. Tudo começa com Vó Dita chamando um impaciente Chico Bento para ver a florada do ipê, coisa que só acontece uma vez ao ano. No entanto, o menino fica dividido entre ver as flores do ipê com sua vó ou ir fazer suas coisas “sempre urgentes” de menino como, no caso, comer um bolo de fubá. Claro, Chico decide seguir seu estomago e ver a árvore no dia seguinte. Acontece que quando chega ao ipê, a florada já acabou e só restaram folhas e flores no chão. Chico não entende o por que e Vó Dita dá uma daquelas lições pra vida toda: As coisas pequenas e belas da vida passam, cabe a você dar a atenção que elas merecem.

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O acontecimento parece simples, mas o ensinamento não, e fica guardado no fundo do coração do Chico, que passa a viver cada dia com mais intensidade. No ano seguinte, e com a exata data da florada do ipê gravada na memória, Chico vai até Vó Dita pra, juntos, irem ver o espetáculo natural. No entanto, Vó Dita cai doente e Chico percebe que pode ter deixado aquele pequeno momento que poderiam ter juntos para trás…pra sempre.

A história que se segue é de cortar o coração. Em “Mônica: Força”, Bianca Pinheiro nos mostrou a baixinha dentuça passando por uma situação que nem toda sua força poderia resolver, e tudo do ponto de vista de uma criança de 7 anos. Orlandeli repete a mesma situação só que com um enfoque um pouco mais dramático, já que há a vida de um ente querido na equação. No entanto a história não fica pesada e melancólica, ela fica emocional e até comoventemente cômica, quando vemos Chico, em toda sua inocência de menino do interior, tentar fazer o que pode pra ajudar sua vózinha. Porém, Orlandeli dá uma facada certeira no coração ao citar uma das histórias mais tristes do Chico bento em apenas duas páginas…e aí é difícil manter o nó na garganta atado…

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Confesso que quando vi os previews das páginas do Orlandeli estranhei bastante. Seus personagens mais pareciam fantoches de mão, os quais chamamos de “mamulengos” aqui no Nordeste. Mas foi só começar a ler e me veio a sensação de que nenhum outro traço casaria tão bem com a temática da história. Me senti criança novamente, quando meu pai me levava pra ver os shows de mamulengo na cidadezinha de Santa Cruz do Capibaribe, onde fui criado. Una isso ao fato de que, como todo nordestino ou morador do interior de qualquer parte do Brasil, eu tive uma Vó Dita também. Minha saudosa vó Analia, mãe de meu pai, era um doce de pessoa. Sempre com seu lenço na cabeça, fazia questão de mimar como podia seus netos, seja fazendo bolinhos de feijão, sendo colocado café em um prato de alumínio pra que eu tomasse. Coisa estranha, é verdade, mas que, por alguma razão, eu adorava.

Depois que me mudei de Santa Cruz, aos doze anos, perdi muito do contato com ela, já que nem telefone ela tinha em casa de tão avessa a tecnologia. Ela ficou doente e passou 15 anos em uma cama, sem falar direito nem enxergar. Lembro quando voltei a cidade, já adulto, e fui visitá-la. Ela não me enxergou direito claro, mas foi ouvir minha voz, mesmo muito mudada, e ela me abraçou e caiu em lágrimas, assim como eu. A velhinha não queria me soltar mais e, bem, eu também não queria que ela soltasse. Tempos depois, e mais algumas visitas, ela faleceu. Eu estava longe, minha mãe me deu a noticia e eu fiquei parado por um tempo, anestesiado. Quando minha mãe saiu foi como se algo que estivesse preso se soltara…e eu chorei como o menino que era quando estava com minha vó.

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Por que contei essa história? Pra dar uma ideia do tamanho do impacto que “Chico Bento: Arvorada” teve em mim e o tamanho do carinho que tenho por essa obra do senhor Orlandeli agora. Arvorada tem um final fantasioso, mas muito bonito, mostrando também a importância da tradição oral na arte de contar histórias. E encerra mostrando como pequenos momentos e pequenas promessas podem ser importantes pra moldar um grande caráter no futuro.

Nota: 10

PS1: A palavra “Arvorada” do título é um trocadilho com o jeito matuto de falar. Tanto “Arvorada”, que é quando o pé de ipê ( e acho que qualquer outro) dá flores, quanto “Alvorada” se pronunciam da mesma maneira em “matutês”.  Genial!

PS2; Devido ao rompante emocional que tive no fim do post, esqueci de falar que a narrativa e as composições de página do Orlandeli são SENSACIONAIS, bem como sua aplicação de cores. A página em que o Chico está submerso no rio entre dois peixes daria um belíssimo quadro!