75 anos da Mulher Maravilha

Grande Hera!

 

Em 1941, na revista All Star Comics #8 surgiu aquela que ainda é a mais importante heroina dos comics,  a Mulher Maravilha.

E ela era, como a maioria dos herois da época, ligeiramente diferente do que conhecemos hoje.

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E quando digo “ligeiramente” é porque não há quase semelhança alguma atualmente.

Criada pelo dr William Moulton Marston e sua esposa, Elizabeth Holloway Marston, a Mulher Maravilha era um contraponto aos herois masculinos da editora. Não foi a primeira heroina dos quadrinhos, mas um detalhe no contrato de Marston com a DC a manteve como a mais longeva.

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Se a DC não publicasse pelo menos quatro ediçoes da Mulher Maravilha por ano, perderia os direitos da personagem.

Como o proprio Super Homem, os poderes dela eram bem menores no começo e as historias refletiam muito da visão dos Marston. Os braceletes por exemplo, eram os “braceletes da submissão”. Se um homem unisse os dois, ela (e as outras amazonas, todas tinham os mesmos poderes) perderia seus poderes. E se fossem quebrados ou removidos, entraria num estado berzerk lascado. Se ela fosse amarrada com o laço, teria inclusive que obedecer a pessoa que fez isso.

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Os Marston eram adeptos do BDSM e muitos de seus posicionamentos se refletiam nesses primeiros anos de personagem, então acabava que uma atividade corriqueira era a Mulher Maravilha amarrada em algum momento das historias.

É de alguma forma ironico que ela sim, foi criada tendo uma regra de não matar e atualmente não é muito avessa a isso. É um ponto que acaba remetendo a discussão dela com o Batman em Reino do Amanhã, onde ele diz que a filosofia amazona de “paz pela força” é um paradoxo. A Pax Romana discordaria, no entanto. Mas mesmo essa regra não a impediu de usar força letal em algumas ocasiões.

Força letal, parece nome de filme da sessão kickboxer

Força letal, parece nome de filme da sessão kickboxer

Em meados de 1960 e alguma coisa, a DC teve a brilhante ideia de “modernizar” a Mulher Maravilha. E por modernizar entenda-se o moderno para os anos 60, o que significava uma pesada influencia do Mod. nessa fase ela perdeu seus poderes, mas para continuar lutando contra o crime treinou artes marciais com um mestre chamado I-Ching (BWAHAHUAHUAHAUHAUAHAU) e passou a vestir isso:

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Mas não durou. Houve uma imensa campanha para devolver os poderes e o uniforme original. E a campanha foi liderada pelas feministas da época, que alegavam que a DC havia tirado a força e a segurança com a sua sensualidade de Diana. E ela voltou ao normal e nunca mais se falou em I-Ching.

A relação de Diana como personagem com as feministas sempre foi, conturbada, mas isso é obviamente devido ao próprio posicionamento de quem escreve a historia. No quadro abaixo, ela usa a palavra “mansplaining”, um dos jargões favoritos do feminismo atual.

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E por outro lado, numa historia escrita pela Gail Simone, Diana vê um filme baseado nela mesma e sai do cinema incomodada por ter sido retratada no filme como uma feminista que fica discursando.

 

Mas voltando.

As coisas só melhoraram anos depois, com aquela que ainda é a melhor fase da Mulher Maravilha, sob a tutela de George Pérez.

Perez acabou sendo bem recompensado

Pérez acabou sendo bem recompensado

Recém saido de Crise nas Infinitas Terras, Pérez e seus capangas, Len Wein e Greg Potter, recontaram e melhoraram a origem da Mulher Maravilha e das amazonas, usando muitos elementos mitológicos e caprichando no contraste entre Themyscira e o Mundo do Patriarcado, e a confusão que Diana sente ali.

É tão bom que vou até me aprofundar um pouco.

As amazonas foram criadas pelas deusas do Olimpo, nascidas do mar e imbuidas das almas de todas as mulheres assassinadas pelos homens até então. E “então” significa Grécia antiga, ok? Certo. A missão delas era justamente espalhar a mensagem de igualdade entre os sexos. E como era uma época um tanto mais brutal, as deusas as fizeram porradeiras pra cacete.

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Elas fundaram na região grega da Anatólia a cidade de Themyscira e tudo ia relativamente bem. Até que Hercules e Teseu, influenciados por Ares, reunem um exercito para atacar a cidade. As rainhas amazonas, Hipolita e sua irmã, Antiope, tentam negociar mas não dá certo. Hercules ataca ambas, mas mesmo a sua força superior não lhe garante a vitória contra Hipolita.

Essa ainda tenta a paz e convida Hercules para um banquete de amizade. O cara engole o orgulho e vai. Assim parece. Hercules e seu exercito drogam o vinho das amazonas e as capturam.

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Isso rendeu para o Hercules da Marvel uma surra tremenda em Liga da Justiça vs Vingadores.

Depois de sabe-se lá quanto tempo de estupros e humilhações, Hipolita consegue ajuda das deusas para se libertarem, mas com a condição de não buscarem vingança sangrenta. Mas não é o que acontece. A amazonas recém libertas massacram seus captores e Antiope sugere que cacem os que já partiram (Hercules foi chamado para completar seus Doze Trabalhos. O ataque às amazonas foi o nono, e Teseu também já partiu). Hipolita tenta racionalizar para se lembrarem de sua missão (e segundo Atenas, as Amazonas esqueceram sua missão e se isolaram do mundo, o que contribuiu com sua queda). Mas Antiope vai embora, com um grande numero delas.

Então elas são enviadas para Themyscira, onde serão imortais enquanto guardarem o terrivel segredo da ilha. Para que nunca esqueçam seus erros, devem sempre portar seus antigos grilhões. E lá, Hipolita, após meses ouvindo o chamado de sua criança não nascida (ela estava grávida quando foi morta em sua primeira vida), molda um bebê de barro. A esse bebê, os deuses concedem vários dons. Deméter, poder e força. Afrodite, beleza e um coração carinhoso. Atena, sabedoria. Artemis, sentidos do caçador e união com as feras. Hestia, o poder da verdade. Hermes, velocidade e o voo.

Diana pode ser praticamente invulnerável, mas tem uma boa razão para usar os braceletes para refletir balas

Diana pode ser praticamente invulnerável, mas tem uma boa razão para usar os braceletes para refletir balas

Anos depois, em resposta a uma profecia, as Amazonas realizam um torneio, pois os deuses decidiram que a mais poderosa delas teria que ir ao Mundo do Patriarcado e impedir o fim do mundo. Essa acaba sendo Diana. E para isso ela recebe adereços e trajes.

Atitude é a chave

Atitude é a chave

Os Braceletes de Gaia, indestrutiveis,  e o traje, que é uma homenagem à uma guerreira que veio de fora da ilha antes que Diana nascesse, a piloto americana Diana Trevor, que caiu na ilha décadas atrás. Ela se tornou poderosa entre as amazonas e a filha de Hipolita foi batizada em homenagem a ela. Posteriormente receberia o Laço de Hestia, forjado do Cinturão de Gaia, com o qual Diana pode fazer os outros contarem a verdade à ela.

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Eu me extendi bastante, mas é porque realmente essa fase inicial foi o que adaptou a Mulher Maravilha para a modernidade, tirando e alterando alguns elementos, como o jato invisivel, já que ela voa por contra própria e tornando Steve Trevor uma figura paternal para Diana, ao invés de romantica.

No mais recente, depois do Flashpoint, Brian Azzarello alterou a origem de Diana, para uma forma mais criativa pra caralho, a tornando uma semi-deusa, filha de Zeus e Hipolita. Original para porra. Felizmente, isso está sendo contestado no titulos Renascimento, com Diana se lembrando de sua origem nascida pelas mãos de Hipolita, moldada de barro e com a vida soprada pelos deuses.

A Diana dos novos 52 foi profundamente afetada pela Diana de Reino do Amanhã. Ali ela passou a usar a espada e o escudo que ficaram associados à sua imagem atual, e a ser mais violenta e combativa. A Mulher Maravilha de Perez era uma guerreira, mas não tinha o prazer de lutar que a atual parece ter, ainda que ela já tenha apelado anteriormente para força letal.

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E sabem qual o metal mais poderoso dos quadrinhos? Os braceletes da Mulher Maravilha, a versão pré novos 52 pelo menos. Nunca foram quebrados ou danificados de nenhuma forma. E já foram atacados por balas, lasers, Super Homem, Thor, Darkseid, todo o panteão grego, deuses cósmicos e até pelo Espectro. Os braceletes foram feitos por Hefesto, a partir do indestrutivel escudo Aegis de Atena. Então, porque caralhos ela precisa de um escudo? Se bem que, até agora, os braceletes dos Novos 52 NÃO são os braceletes de Gaia, visto que já foram quebrados.

Aqui eles refletem o poder combinado de Zeus, Poseidon e Hades.

Aqui eles refletem o poder combinado de Zeus, Poseidon e Hades.

Sua outra arma de escolha é o Laço de Hestia, também conhecido como Laço da Verdade. E é bem o que o nome implica, a pessoa amarrada com ele se vê obrigada a responder com a verdade. Alguns seres muito poderosos conseguem resistir ao laço e ficar sem falar nada, não mentir, mas ficarem mudos, mas isso é muito raro, já que nem sujeitos do calibre do Vingador Fantasma se mostram imunes. O fato de Marston ter sido o criador do detector de mentiras (poligrafo) com certeza é a inspiração para a criação do laço.

A Mulher Maravilha também teve representações em outras mídias, como o seriado de 1975, com Lynda Carter. Usando seu shortão, ela era muito parecida fisicamente com a Mulher Maravilha dos quadrinhos, com aqueles olhos azuis enormes, sorriso simpático e outros atributos.

A imagem feita por Alex Ross é praticamente Linda Carter.

A imagem feita por Alex Ross é praticamente Lynda Carter.

 

E teve destaque também nas séries animadas da DC, em particular, obvio em Liga da Justiça e Liga da Justiça Sem Limites.

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Em questão de poderes, para variar eles mudam conforme o tempo. A força é sempre mostrada como igual ou pouco menor que a do Super. Embora Diana seja muito resistente, não é invulnerável, e particularmente armas de corte e projéteis podem feri-la, ao passo que forças concussivas a afetam muito menos. Por isso ela pode levar uma pancada de sujeitos do calibre do Super e não virar uma poça.

É interessante que na cabeça de muita gente, eles sempre foram um casal.

É interessante que na cabeça de muita gente, eles sempre foram um casal.

O voo é recente, vindo da fase de Pérez, substituindo o avião invisivel, que posteriormente John Byrne trouxe de volta. Diana é muito rápida, não rápida como o Flash, mas é capaz de voar a velocidades transonicas e ágil o suficiente para rebater rajadas continuas de metralhadora com os braceletes.

Uma coisa que costuma coloca-la em vantagem ao lutar contra outros pesos pesados é seu treinamento marcial, com o arrogante Bátima dizendo que ela é a melhor combatente desarmada que ele já viu. O pode ajudar é o fato dela ser inteligente o bastante para aprender línguas em questão de dias.

E ela gosta de gatos, sinal de inteligencia superior.

E ela gosta de gatos, sinal de inteligencia superior.

Durante a fase de Pérez, já havia entre as amazonas representantes de outras etnias, como Philippus, que era negra e Euboea, uma asiática. De forma que não seria necessários malabarismos argumentativos para ter mais inclusão étnica, ao contrário de Asgard com o Heimdall negro.

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A galeria de vilões da Mulher Maravilha, por outro lado, é menos que estelar. Ela na verdade tem uma das piores galerias clássicas dos quadrinhos. As exceções seriam a Cheetah e a Circe. O dr Psycho é de apavorar no entanto, embora fisicamente seja ridículo. O resto são coisas como o Homem Angulo e o Egg Fu.

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E vocês sabiam que a Giganta é uma gorila transformada numa mulher?

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E recentemente a Mulher Maravilha fez sua estreia no cinema, interpretada pela israelense Gal Gadot, que foi bastante criticada, por não ter o físico da personagem, leia-se, os peitos. De fato, não se aproximam aos dos quadrinhos mas é uma critica imbecil. Cambada de sacripantas.

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Outra critica veio de pessoas que a esculhambaram por ser, “um instrumento da opressão sionista”, porque ela serviu no exercito de israelense. O detalhe é que o serviço militar é obrigatório para ambos os sexos em Israel.

Mas no fim das contas, a performance dela como Mulher Maravilha é geralmente muito bem aceita.

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Enfim, a Mulher Maravilha se manteve como uma personagem relevante por 75 anos, mesmo com todas as alterações, novos 52, e coisas do tipo. Tanto no cinema quanto nos quadrinhos (agora pelo menos, com Renascimento alterando as besteiras mais crassas) ela está tendo a chance de ser bem retratada, algo que não acontecia há tempos.

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